![]() 23/07/2017 09h42
Ninguem prósia comigo...
Era assim mesmo que ela falava, quando chegava pra vê-la nos seus últimos dias de vida. Sabia que a solidão na velhice é doída, ainda mais quando queremos prosear e não temos com quem falar. Percebia pelo brilho dos seus olhinhos azuizinhos, que enfim alguém tinha chegado, pra ouvir o que ela tanto gostava de falar: Sua família era tudo o que tinha,e lembrar de todos em todos os tempos, era sua maior alegria. Lembrava da infância sofrida e não continha as lágrimas; e chorávamos juntas. Ao contrário dos demais irmãos que não gostavam que ela lembrasse do passado e que até retiraram da sua presença, os porta retratos que levei,eu gostava de ouvir suas prosas; até porque as anotava, quando percebi que a sua memória já falhava. Algumas passagens da sua existência foram suaves até a morte do pai e depois disso, só sofrimento, dizia ela. Uma das passagens que sempre contava e da qual me lembrava,pois nessa época a situação financeira piorara,.aconteceu logo que chegamos á Curitiba e perdi o emprego na Telepar, então fui trabalhar no Moinho Curitibano como carregadora de trigo,bolachas e macarrão,serviço pesado e nada compensador. O salário era pouco e as coisas se tornaram difíceis pra nós,a ponto de ter que comprar fiado no Armazém do Clóvis, pra pagar quando recebesse o vale da quinzena. Ela mandava os dois menores buscar fiado, eles saiam rindo e falando um pro outro - Atacar.... Quando chegava o final do mes, quase nada me sobrava,alem dos vales. Certa vez,contava ela sempre ,quando ainda era fumante,saiu pra comprar cigarros pra ''espairecer um pouco''. Chegando na panificadora lembrou que as crianças estavam esperando que levasse pão e trocou o vício pelos pães,e nunca mais fumou. Ela era uma Lady... Descendia dos Kanitz,cuja família tinha um brasão,mas o seu coração era nobre desde o berço humilde onde nasceu em Diamantina,hoje chamada Angaí. Sinto muito a sua falta, pois também sinto falta de alguém pra prosear nesse mundo de hoje,quando os filhos vivem enfiados nas telas de um computador e não encontram tempo pros mais velhos. Quem garante que um dia não acharão falta em ter alguém pra prosear? Eu já estou nessa fase: Ninguem ''prósia comigo. Publicado por Memórias de uma abelhinha de Irati em 23/07/2017 às 09h42
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