Memórias de uma abelhinha de Irati

Tudo vale a pena quando a alma não e pequena

Meu Diário
05/03/2017 17h58
Uma grande família...

 


Lembro do primeiro dia que entrei na farmácia, timidamente.
Sempre ouvira falar, que ninguém gostava de trabalhar lá, pois ''seu Pessoa era muito brabo''
Mais tarde, convivendo com ele, pude perceber o quanto era preocupado com o ser humano, doando os remédios as mães carentes, que levavam seus filhos, pra consultar com o ´´seu João.
Até comigo aconteceu de um dia não poder ir trabalhar, por estar adoentada e minha mãe foi falar com ele, pra justificar.Ele deu uma bronca, dizendo que eu deveria cuidar mais dos pés, pois estava pegando muita ´´friagem´´ usando alpargatas.
Certa vez minha colega Regina Marochi, ao colocar um medicamento na prateleira, deixou cair e quebrou.
Ficou pálida, esperando por certo uma cobrança e ele no entanto disse apenas:Tome mais cuidado, senão quando tiver um filho, pode deixar ele cair no chão.
Quando cheguei no primeiro dia, logo me perguntou o que sabia fazer e respondi: Nada.
Dentro do meu vestidinho azul marinho com golinha branca, que ganhara de presente da prima Ione,meu coração disparava.
Aquele olhar severo, por trás dos óculos me intimidava, e quase saí correndo, como costumava fazer, quando alguma coisa me assustava.
De repente chega o seu filho Miguel e olhando com curiosidade meu modo caipira de ser, por certo notou meu medo.
Por seu lado, a Marica sua mais antiga funcionária,me analisava por trás dos óculos, com leve sorriso nos lábios, tentando disfarçar a pena que sentia da minha situação.
Mesmo assim,fui aceita como parte da equipe, e por não falar muito, que não era o meu forte,por certo não serviria pra atender o balcão.
Logo seu Pessoa me encaminhou pra escrivaninha de cobranças,onde dezenas de blocos me aguardavam, pro teste inicial.
A minha tarefa diária seria relacionar todas as vendas do ''fiado'', que no final do mês seriam cobradas de bicicleta pelo Miguel, percorrendo os endereços pras cobranças.

Parecia ser uma tarefa fácil pra mim,mas quando elas voltavam sem serem quitadas, a coisa ficava complicada, pois iam se acumulando,e minha tarefa ia aumentando.
Porem com o passar dos meses, fui ficando mais tranquila, pois já entendia o mecanismo da situação, porque se alguém por acaso não pagasse, não cabia á mim o prejuízo.
Dona Matilde, gentilmente me convidou pra almoçar todos os dias com eles.
Aceitei um tanto envergonhada e aos poucos, fui me acostumando tanto que quase já me sentia parte da família.
Dela lembro sempre,entrando na farmácia e perguntando pelo esmalte Rosa Rei,sua cor preferida.
Parecia que ali não tinha diferença de classe social,ela nos tratava com muita consideração.
Vez por outra, o seu Pessoa saía, acompanhado do seu amigo Romeu Crissi, pro tradicional cafezinho na Panificadora Irati, então pedia que ficasse atendendo o balcão.
No inicio fiquei feito barata tonta,mas depois peguei o jeito e no final até aprendi algumas fórmulas, preparadas no Laboratório,onde trabalhava a Nininha junto com a Tereza Lopes, que era filha do seu Maurílio, e que tinha outra filha chamada Mirian.
Achava o Laboratório fantástico, com todos aqueles tubos de esterilização,nos fundos da farmácia.
Notei que lá tinha até uma salinha,reservada pro Miguel revelar suas fotos, aliás no fundo da casa, ele também criava coelhos nas horas vagas.
Vez por outra chegava seu amigo Angelo, da família Baggio,eram grandes amigos, uma enfermidade  porem o levou prematuramente; Lembro da tristeza na farmácia, quando chegou a noticia do seu falecimento.
 
E assim nessa convivência, fui conhecendo um por a um a Grande família Pessoa,começando pelos 10 filhos da dona Matilde e do seu João:
Pela ordem de chegada, arrisco dizer que o Nêgo João era o mais velho e a Tereza Cristina a caçula.
Entre os dois estavam os demais:
Maria Helena Plinio,Luíz,Esther,Jeca,Sara,Carlos Alberto e Miguel.
Conheci todos os netos e de alguns ainda lembro o nome, como a Regina,Leise, José Tadeu,Helena Alice,Aracy, Estela,Vera. 
Dos filhos da Sara e tambem do Plinio, ja não consigo lembrar sinal que a memória,começa falhar.
Lembro bem ainda da Solange,esposa do Jeca,.do Dr Plinio, pediatra em Curitiba e da Tia Mariquinha no Riozinho, que recebia sempre a visita do Miguel nos finais de tarde, guiando o Jipinho do seu pai.
Daqueles funcionários do meu tempo de farmácia,lembro ainda do Antonio Cordeiro, irmão da Mery e da Mirian, minha amiga do Duque de Caxias.
O Admir irmão do Abnel Soares, que era locutor da Difusora.  Amilton Colaço,irmão do Toti, que mais tarde se tornou Prefeito da nossa cidade,assim como foram também Prefeitos,  seu Pessoa,  professor Rosinhas,Dr Fornazzari e Dr Zanetti.
Lembro vagamente do Waldomiro Castilho, pai da Walquíria, que tinha uma casa lotérica.
E da família José Zeni,lembro bem da dona Olga da casa Santa Maria e do Raul Zeni, no Duque de Caxias.
Certo dia logo no inicio, o telefone da farmácia tocou e fiz de conta não ouvir,então seu João gritou:
Você ta surda menina?
Desci rapidamente da banqueta,onde tirava as notas dos blocos de vendas,e fui atender o telefone, com o coração aos pulos.
Colocando o aparelho no ouvido, jamais imaginava, que iniciava ali naquele lugar, o preparo pra minha futura profissão de Telefonista.
Conheci e convivi com pessoas simpáticas como os Trevisan,Varella,Primo Araujo, talentoso artista plástico, que retratou com amor nossa Irati em suas telas.
Mirzinho,irmão do Almir e  o Mestre Orreda,que passava quase todos os dias cumprimentar á todos e bater um papo com seu João Pessoa.
Dona Elza Varella, esposa do José, pais de numerosos filhos, entre eles Berenice e Herculano, que costumavam cantar em dupla nas festinhas do Duque;lembro de uma delas:
´´Linda morena lá de Lisboa o meu carinho quero te dar (Herculano)
Lindo moreno sou toda sua desde o dia em que te ví,eu vivo pra te adorar...(Berenice)´´
Lembro ainda do seu Antonio Carvalho, o pai do Luiz Alberto, do Nélio e da Lucy.
Sempre elegante e gentil ao cumprimentar, segurando a aba do 
chapéu.
Da minha amada professora de música,Rosemary Lopes, que sempre me colocou pertinho dela ao piano,nas aulas de música,onde se destacava sempre a voz do Luiz Alberto, que cantava feito um rouxinol.
Do Jeremias Neves, o pai da Rosilda, Ronilda e do Ronaldo.
Do Dr Tico Lopes, o filho da dona Senhorinha e irmão da Rosemary.
E também do Angelo Biacchi Sobrinho o ''seu Nininho, de quem meu avô era cabo eleitoral (nas eleições) .Era esposo da dona Abla e pai da Marinice,da Velda e da Mariangela.
O Hamilton Kominski ainda solteiro,despedaçando corações com sua beleza... lembro demais.

E foi assim, que conheci a minha segunda família...
Quem sabe passei desapercebida pra eles,não representando o muito que representaram pra mim, pois foram tantos os que por lá passaram, diante dos meus olhos.
A tristeza maior, aconteceu naquele plantão da farmácia,num final de tarde de domingo,quando seu Pessoa nos deixou,não sem antes, convocar um dia antes, todos á postos, no plantão daquele domingo,como se pressentisse algo e quisesse todos por perto,na hora da partida.
Naquele final de ano de 1963, quando nos despedimos dele, na Igreja Matriz,lembramos que um ano antes, dali da farmácia, acompanhamos todos emocionados a noticia da morte da Marilyn Monroe e depois, em novembro de 63 o assassinato do Kennedy.
E agora a farmácia fecharia, e encerraria assim, sua marcante história naquele local.


Publicado por Memórias de uma abelhinha de Irati em 05/03/2017 às 17h58

Tela de Claude Monet
Site do Escritor criado por Recanto das Letras