Acabara de completar 16 anos, quando minha irmã Darli, foi convidada pelo Jeca Pessoa, pra trabalhar na Farmácia do pai dele.
Sem jeito de dizer não,mandou-me em seu lugar, e então lá fui eu me apresentar, tímida e encabulada, pois,até então, só sabia fazer macarrão caseiro ou ''de casa como, se costumava falar.''
Logo de cara ''seu Pessoa'' me perguntou o que sabia fazer,e fiquei sem jeito em lhe dizer que ''não sabia fazer nada.
Ele me olhou de uma forma, como quem diz:
-Vamos ver menina!
E generosamente, me aceitou pra fazer parte daquela equipe, comandada pela Marica,a mãe do Dino Alberto e esposa do Rato Branco, goleiro do nosso azulão do coração, <Iraty Sport Clube>
Logo fui incumbida, de "tirar as contas"ou seja, como seu Pessoa vendia pra pagar depois, tudo era anotado num bloco, e no final do mês lançado pra cobrança dos devedores do "fiado''
O restante do tempo, ficava na caixa registradora, para aprender, ou no balcão atendendo, pra pegar "experiência"
Só não atendia o telefone, porque não sabia mesmo atender.
Nunca tinha visto um de perto até aquela idade, e isso me assustava, toda vez que tocava, ficava rezando, pra não me mandarem atender.
Até que um dia, o inevitável aconteceu.
Estando sozinha atendendo o balcão, tocou uma vez, fiz de conta que não escutei, tocou duas,três ou mais vezes e "Seu Pessoa então gritou:
- Você tá surda menina?
Foi essa minha primeira vez de telefonista, pois dali mais tarde, ao fechar a farmácia, saí pra trabalhar na Companhia Telefônica de Irati,tendo como telefonista chefe dona Joana Michalack,a tiada Claudete Terezinha de Cristo, irmã do Mario.
Tudo isso aconteceu em 1964.
Ano em que, foi implantada a Ditadura Militar no Brasil.
Quando chegava pra cumprir meu horário de trabalho na telefônica,lá estavam os militares, operando no PABX,enquanto nós telefonistas, ficávamos aguardando vencer nossa hora de serviço, pra cumprir o horário.
Foi um longo e difícil período aquele, de incertezas no dia de amanhã, gerando violências e perseguições a quem se manifestasse contra o Regime.
Muitos pagaram com a vida, pra que pudéssemos continuar vivendo, com o direito de Ir e Vir.
Livres!
Passado alguns meses, já estava familiarizada com o ambiente da farmácia, tão diferente do lugar de onde eu vinha.
As pessoas eram gentis comigo e isso me encorajava a prosseguir,mesmo sabendo que deveria me dedicar muito, até saber ''ler as letras dos médicos'', quando alguém chegava com uma receita do Dr.Fornazzari,Zanetti,Renato,Vantroba ou Farid.
Após um certo tempo, aprendi aplicar injeções e até mesmo, já manipulava algumas fórmulas,orientada pela Marica, irmã da Cacilda da livraria Martins .
Todo final de tarde, aparecia por lá um anjo chamado Ângelo Baggio, que morreu ainda tão jovem e irradiava uma luz, que emocionava á todos.
Acabei gostando tanto de trabalhar naquele lugar, que fiquei muito desorientada, quando a Farmácia fechou, depois que ''seu Pessoa foi embora,naquele final de domingo, em que, todos juntos trabalhamos a seu pedido, naquele plantão, como se previsse, que seria a ultima vez.
Por volta das 5 horas, veio a noticia do seu inesperado falecimento, e diante daquela realidade,ficamos sem saber o que fazer.
Lembro porem, que coube á mim e a Terezinha Lopes, a filha do "seu Maurilio, ir dar a trágica noticia ao seu filho Miguel, que estava no Cine Central.
E a partir daquele dia, nunca mais aquelas portas se abriram naquele local.
Sempre fui bem tratada por aquela família Pessoa.
Almoçava diariamente junto com dona Matilde e o seu João.Eu que era só uma ''aprendiz de atendente, recebia da parte de todos muita atenção, por isso, essa convivência diária me permitiu conhecer seus amigos, como o Romeu Crissi, Mirzinho,Professor Rosinhas, que alem de ter sido Prefeito da cidade, era talentoso pintor, das nossas lindas paisagens.
Professor Orreda,nosso querido mestre, que viveu todos os anos da sua longa vida, derramando poesia sobre nossa Pérola do Sul.
Era ainda bem jovem nessa época, o nosso Mestre Orreda, porem só bem mais tarde, nos anos 90, tive a oportunidade de rever, ao visitar o Núcleo, a convite da prima Doraci Elias.
Então pude finalmente dizer, ao apertar sua mão, que tinha muito orgulho de ter nascido numa cidade,que era tão cantada por ele, em verso e prosa.
Dei á ele uma tela pintada pelo meu esposo Ronaldo,em troca ganhei uma fita de VHS do desfile do cinquentenário de Irati.
Por tudo isso que vi e vivi,agradeço a grande Família Pessoa, pela oportunidade de um dia, ter sido parte integrante na farmácia,que me permite dizer hoje:
- Foi a minha segunda família, sem dúvida alguma.