Memórias de uma abelhinha de Irati

Tudo vale a pena quando a alma não e pequena

Meu Diário
06/02/2017 21h29
Odisseia de uma mulher chamada lidia

Quando nasci, ela não tinha ainda sua casinha cor-de-rosa.
Pra me receber, foi morar ''de parede e meia'' na casa da tia Ana e do tio Valdemar.
Quando fui batizada na Igreja Matriz, no dia 13 de Outubro,um dia frio de  
primavera,meus padrinhos Nucha e Julia,nos levaram pra um passeio de Jipinho no Campo da Aviação e sempre contava ela ainda, que ganhei dos padrinhos um sapatinho com carinha de gatinho e um vestido de bolinha,feito pela dona Augusta,mãe da Iara,que cobrou''dois mil reis'', que naquele tempo ja era dificil pagar e que ganhei ainda da vó Catarina, duas moedas de ''boa sorte, e o vovô Hipolito contando a todos que iam batizar a ''mirim`´.
Essas e outras historinhas ela sempre me contava, em nossas ''prósias''
Lembrava ela com nitidez suas venturas e desventuras.
Como eu gostava de ouvi-las!
Sentada aos seus pés na beira da cama, rememorava junto, tudo que vivemos e couberam naqueles 92 anos de luta  e chorávamos juntas.
Lembrava dela, andando pela linha do trem, indo consultar na Legião Brasileira de Assistencia,  levando dois filhos no colo e outro na barriga, eu do seu lado levando a sacolinha de pano..
Lembro-me que durante o trajeto, os dois se estapeando no colo e ela quase tropeçando nos trilhos...
De outra feita,quando soube que o Presidente americano Kennedy distribuia mantimentos, atraves da Aliança para o Progresso,nas irmã Canisianas,correu pra fila na esperança de conseguir tambem,foi barrada porem, pois a dona Julia do seu Irineu sua vizinha a denunciou, dizendo que ela não precisava ganhar porque o marido era empregado da Prefeitura.
Quando voltei da escola e a vi chorando quis saber o motivo,então contei pra vovó que passou a repartir o pouco que ganhava,principalmente o leite em pó.
Final de ano o Centro do seu Bira e da dona Dica,fazia distribuição de roupas e brinquedos pra familias carentes e la estava ela na fila como sempre,um filho no colo outro na barriga e eu sua fiel escudeira, segurando a sacolinha pra colocar os presentes.
Ao chegar nossa vez na fila, foi barrada pelo atendente Nego Sá,que conhecia meu pai na Prefeitura,alegando que por isso,ela não precisava ganhar ajuda.
Inconformada,saiu chorando,quando foi cercada  pela dona Dica do seu Bira, que quis saber porque nada ganhara, e ela entre lagrimas contou o porque,e imediatamente, recebeu os presentes que lhe foram oferecidos, ganhando tambem, roupinhas pro novo nenen na barriga,a `´raspinha do tacho`´ como costumava dizer, quando ja estava perto dos seus 40 anos.
Após o parto teve pleurite e foi internada pelo Dr Fornazari, um Anjo em nossas vida que a todos cuidava com desvelo.
Depois de receber alta,soube que a Prefeitura de Irati, estava oferecendo vaga pra zeladora,queria tabem tentar mas não tinha o que calçar, então emprestou um sapato da vizinha Avelina,e assim foi e nada conseguiu,pois alegaram que o marido já era funcionário daquela Prefeitura..
Continuou trabalhando então como escolhedeira de batatas na Cerealista dos Hessel.
Gostava  muito de cantar!
Porem nos seus ultimos dias de vida, lamentava-se dizendo que não tinha nem mais o direito de chorar...
Esse desabafo feriu profundamente meu coração.
Tudo lhe fora negado,até mesmo ver as fotos antigas que tanto gostava olhar, as quais me pediu pra guardar,depois que partisse.
E mesmo assim, sofrendo, chorando,ela cantava sempre,como faço ainda hoje, nos meus momentos de rouxinol.


Publicado por Memórias de uma abelhinha de Irati em 06/02/2017 às 21h29

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