O sol costumava entrar com mais facilidade pelas frestas das paredes...
A chuva quando caía fortemente formava um corredor de águas que desaguavam lá embaixo na linha do trem e nas frias noites de inverno,os poucos agasalhos eram compensados pelo calor do fogo do tacho até o sol voltar a brilhar.5 horas da manhã as batidas das horas pelo guardião da fábrica mais próxima,anunciavam um novo dia nascendo.
Logo o cheiro do café no coador inundava o ar e a polenta frita na velha frigideira de ferro,ofereciam a primeira refeição do dia depois do chimarrão.
O azul do céu contrastando com o verde e rosa do pessegueiro em flor no fundo do quintal,onde um poço d’água descansava a espera da primeira manivelada do dia.
E na tina onde as roupas se acumulavam no molho a espera do enxágüe na lavação,enquanto numa bacia punhados de cinza e água ofereciam o alvejante chamado de ''água de quadra ''?? (leia-se água adequada).
O varal era de arame farpado que dispensava grampinhos e no forno de lenha,as brasas aguardavam o bolo de fubá e o pão de batata.
Ao longe o apito de um trem,que serpenteando sobre os trilhos avança qual fera ferida,trazendo vidas de idas e vindas em seu interior.
Era como uma visita fiel que nunca falha,sempre no mesmo horário e pelo apitar já se sabia que era chegada a hora do almoço.
Lá no alto a ''estratégica'...'como diziam os moradores daquela estrada lá encima na serra dos Nogueira,onde vez por outra,se avistava um caminhão transportando o progresso pelo morro onde reinava soberana a Santa da colina.
O ano do cinqüentenário se descortinava em comemorações no ano de 1957 numa linda festa e a família numerosa daquela casa rosa,cujo meio de transporte era uma bicicleta,também se preparava pra comemorar de alguma forma,conduzindo numa gaiota sorridentes criançada de caras suja(s)
Diferente era da família dos Rosa Ferreira,que tinham uma gaiota mais ''chic''estacionada num quintal,chamado ''Piquete'.'
No mais tudo era igual entre a garotada das cercanias,brincadeiras e sorrisos vez em quando uma briguinha e as mães bradando:
''Pra dentro''
A noite chegava trazendo em seu manto os latidos distantes de cães vadios que se misturavam ás notas musicais do clarinete,preenchendo aquelas frestas como se dali vazassem todas,se espalhando pelo ar.
Como nos contos da carochinha ecoam essas lembranças até hoje em minha memória de Velha Senhora de 70 anos,que lembra da menina que ali viveu entre aquelas velhas paredes daquela pequenina casinha.
Tudo isso foi presenciado naquela casa Cor- de- rosa com certeza.
Ainda hoje costumo visitar em pensamentos aquele lugar que ficou para sempre gravado na memória...
Abro devagarzinho aquela porta de duas partes formando uma janela e um portãozinho...
Entro e do lado esquerdo vejo o velho balcão de madeira onde se colocava o balde de água pra lavar a louça numa bacia esmaltada.
Ao lado,um caixão de lenha em frente ao fogão,iluminado por pequena janela de vidraça.
Do outro lado ficava o armário de guardar louças e a comida,não havia geladeira.
Passando pra outra peça da casa,vejo a salinha de refeição tão pequena que mal cabia uma mesa e rústicos bancos de madeira.
Ali também pequena janela de vidro iluminava aquela mesa...
Entrando no pequeno corredor que na infância parecia tão grande,encontro um tesouro:
A biblioteca do pai sempre fechada a chave,pra que a criançada não mexesse;um dia ele esqueceu de chavear e fui dar uma expiada pra ver o que ele guardava com tanto cuidado.
Logo vi o seu clarinete,as palhetas e partituras cuidadosamente guardadas junto com livros,relógios e moedas antigas.
O que mais chamou a atenção no entanto foi ver a lata de leite em pó ali escondida,pra evitar que a criançada avançasse e ate se engasgassem comendo escondido,o alimento do ultimo bebê nascido.
Ao lado da biblioteca ficava uma tarimba onde a criançada dormia.
Era tão pequeno aquele espaço que não tinha lateral e a tarimba ficava apertada entre as duas paredes e pra se subir ate a cabeceira,a criançada pulava pelos pés da cama improvisada e deitava naquele colchão de palhas.
Do lado direito ficava a porta que dava aceso ao ‘’quarto da mãe ''que certamente era aquele que mais gostava de ficar.
Parecia tão grande embora fosse pequeno e acomodado num canto esquerdo ficava a cama do casal tendo sempre ao lado um berço de ‘’cambotas’’pra embalar o ultimo bebê que chegara...foram 9 ao todos.
Em frente ao bercinho tinha mais uma janela de vidraça,da qual dava pra espiar a cozinha da vó Catarina,com seu fogão sempre fumegante.
Foram essas as coisas que vi e que amei a vida toda e agora já não mais existem.
As vezes me pergunto:
Por que ainda permaneci aqui,se tudo que amei já se foi, passou...